Não coma, essa é a solução

Não coma, não coma, não coma. A frase se repete na minha cabeça. Preciso ser forte, preciso conseguir. Não tenho coragem de me olhar no espelho. Quero ler Lia e Cassie e seus demônios as corroendo de dentro para fora. Quero ler a fome se transformar em lágrimas e medo e coragem, e vou seguir em frente, mesmo quebrando em mil pedaços. Acho que dessa vez ninguém será capaz de me consertar. A fome é só mais um detalhe, mas que não passa desapercebido. Ela me aflige e me tortura, mas eu me mantenho firme. Eu preciso conseguir.

Com a gilete traços riscos tortos na minhas coxas, pensando a cada investida: gorda, gorda, gorda. Como me deixei chegar a esse ponto?

Olho as minhas fotos antigas e meu coração aperta, quanto tempo vai demorar para que eu consiga novamente tudo aquilo que perdi? Quanto tempo vai demorar para que a fome me derrube na cama e a depressão e a fraqueza me façam dormir por dias a fio, esquecendo assim toda dor que carrego no meu coração?

Memórias do passado surgem como flashes na minha mente e eu só quero esquecê-los.

Eu quero que a parte que machuca da minha vida deixe de existir, mesmo que eu precise deixar de existir com ela.

Ao olhar os meus pulsos, penso nos 10 segundos de coragem insana que eu precisaria para cortá-los verticalmente e então sangrar até o meu fim. Essa é a minha ideia de uma morte tranquila, mesmo que solitária.

Cada dia é um novo sacrifício.

Eu queria lembrar como eu me senti um dia antes de querer morrer pela primeira vez. Eu queria sentir como é a vida de quem quer viver, mas estou fadada a viver no meu espiral depressivo até o meu fim, que se estende por dias, horas e minutos que parecem com uma eternidade.

Se eu pudesse deitar na minha cama e nunca mais acordar, eu o faria. É o meu desejo não concretizado. Porém, confesso, talvez não seja assim para sempre.

Dessa vez, não vou parar

Eu poderia me matar numa tarde chuvosa de inverno como num dia quente de verão, e isso era o que mais me assustava. A minha dor chegará a tal ponto que a única coisa que me importava era parar de senti-la.

O sangue corria pelas minhas pernas enquanto eu continuava a desenhar riscos tortos nas minhas coxas. Eu queria que doesse porque eu queria sentir alguma coisa diferente daquilo que torturava o meu peito, mas estava amortecida.

Eu estava morta, ainda que respirasse.

E desse jeito, aos pedaços, eu continuava a seguir em frente, lutando sempre por um número cada vez menor, embora nem isso me fizesse feliz.

Eu perdia peso a mesma velocidade que me perdia. No final, não importava o quanto eu pesasse, sempre era demais, mas eu não conseguia parar e quando todos me perguntavam “por que?” Eu sorria um desses sorrisos tristes e dizia mentiras ensaiadas tantas vezes antes que eu passará a acreditar que eram verdades.

Eu fui longe demais, embora não me sentisse no meu limite. Eu queria ir além. Aliás, eu quero ir além, custe o que custar. Dessa vez, não vou parar.

Old photos

A única coisa que eu quero dos meus dias é emagrecer até voltar a me sentir eu.

Estou em pedaços

A noite me abraça e meus pensamentos vagam pelo universo Ana e mia: Eu prefiro morrer do que não ser mais tão magra quanto já fui. Não há condenação pior para mim do que a de viver em um corpo que me causa repulsa.

Quero me cortar porque a culpa me consome: como me deixei chegar a esse ponto? A dor me estraçalha o peito e as lágrimas travam ainda na minha garganta. Elas nunca saem, independente do quanto eu sinta que preciso chorar.

A balança que fica no canto do banheiro me encara como quem me desafia. Os números sempre acima do esperado são meu atestado de falha. Ao abrir o cabinete em frente ao espelho, olho meus comprimidos de diuréticos e laxantes como uma criança que vê se doce favorito. Talvez eles me tratam o alívio que busco no momento, junto de uma dor de acredito merecer. Aliás, eu sempre mereço a dor.

Uma ponta de esperança brota em minha alma e quero acreditar que amanhã serei melhor que hoje, mas tenho medo. O que vou fazer se eu não for?

Estou em pedaços.

Foto de 2015

Até aonde?

Eu subo e desço da balança uma, dez vezes, mas o número não muda. Sinto que meus esforços não estão rendendo o esperado, mas nem por isso me permito parar.

Olhar no espelho é aumentar o desespero: sou tudo o que não quero ser. Seguro as lágrimas e engulo o choro pois não posso me permitir fraquejar. Não agora, não tão longe do meu objetivo.

Tento sentir os poucos ossos ainda aparentes numa tentativa frustrada de me acalmar, mas é claro, não funciona.

Programo o amanhã, e o depois de amanhã e o depois de depois de amanhã. Dias sem comer por um único objetivo, o maior de todos. Quero chegar mais longe do que jamais fui. Aceito o risco consciente das consequências. Quando é que ser magra passou a ser mais importante do que simplesmente ser eu? Quando foi que eu me perdi novamente em caminhos tão bem conhecidos? Só o que importa agora é ir além.

Calorias, calorias, elas não saem da minha cabeça. Será que vou enlouquecer? Talvez já tenha enlouquecido. Seria essa a explicação? Tenho medo de descobrir, de me encarar e me decepcionar. Aliás, eu sempre me decepciono. Devia estar acostumada, mas algo em mim se recusa a cooperar. Talvez minha luz no fim do túnel seja na verdade uma escuridão profunda, porém meus olhos estão abertos. Eu sequer durmo. Eu continuo e continuo. Até onde? Ninguém sabe, nem mesmo eu.

Mais ossos do que pele

Parar de comer é sentir-se acima do mundo, acima de tudo e de todos. Nada mais importa, além, é claro, do fato que você está vazia, livre.

Você se sente borboleta enquanto vê os outros como lagartas. Você acredita ser mais forte do que realmente é e acredita que pode ultrapassar todo e qualquer obstáculo. Contudo, essa sensação de superioridade é tão frágil quanto uma bomba pronta para explodir.

Esse sentimento sublime encontra seu fim quando calorias entram no seu corpo. É nessa hora que tudo desmorona e você não é mais forte. Você não é mais você. Agora, você é pedaços pelo chão e lágrimas de arrependimento. Porém, o que você poderia fazer? Parar de comer até sumir? Antes disso acontecer você acabaria num leito de hospital se perguntando quando foi que tudo virou do avesso. Quando foi que o mundo parou de fazer sentido e a comida se tornou inimiga.

Por isso, apesar da dificuldade, apesar do ódio e principalmente do medo, Você precisa comer, mesmo que pouco, o suficiente para se manter viva, não mais que isso, jamais mais que isso.

Você quer estar viva, mas nos seus próprios termos, coisa que nem todos são capazes de entender.

Estar viva e ser pele e ossos, mais ossos do que pele. Estar viva e ter certeza que fez o seu melhor, que atrás dessa prisão de ossos, você ainda é você -mesmo sem saber quem voce realmente é.

Desejo

A única coisa que eu quero é o corpo que eu já tive.

Grupo Ana & Mia

Quem quiser participar aqui está o link ou pode me mandar o número que eu adiciono.

https://chat.whatsapp.com/INaOpXNknUuKn1V0EmYd06

O passado que se repete

Eu era magra, eu estava próxima do meu limite, mas não cheguei lá. O caminho já estava trilhado e eu andava em direção a morte, com o coração na mão e os olhos fechados.

Hoje não me reconheço -se é que alguma vez já reconheci a pessoa que me encara do outro lado do espelho.

Minhas mãos tremem e eu suo frio. Fotos antigas brotam na tela do meu celular e eu quero contar os meus ossos, mas eles estão escondidos por camadas de gordura.

As horas se passam e eu continuo vazia na esperança que isso me leve de volta ao ponto de onde parei, mas estou longe do meu destino final.

Parte de mim quer desistir, parte quer ir até aonde não fui, ou talvez, onde não me deixaram chegar.

Dessa vez, com mais confiança, a Ana fala em tons mais altos, rasgando o meu coração e me fazendo seguir suas palavras e rituais. Eu me escondo do mundo e sigo meu destino, junto a ela na esperança de, quem sabe, amanhã ser mais magra. Mais magra que jamais fui.

Que Deus me ajude

Quero me cortar e deixar o sangue vermelho e quente escorrer pelos meus braços até não sobrar mais nada dentro de mim. Me falta o ar no peito, sinto como se só fosse ser capaz de voltar a respirar depois de esvaziar -por cortes horizontais- essa angústia que me tortura.

Na balança mais decepção. Subo e desço dez vezes na esperança de ver um número diferente, um número menor, porém ela não muda.

Tomos todos os meus remédios, dessa vez dobrados, e rezo para que um sono profundo venha me encontrar e me tire dessa realidade que machuca.

Meus olhos se enchem com lágrimas salgadas, mas eu não choro. Tudo fica preso e eu não sei como me livrar do peso que isso causa.

Rezo pedindo forças para continuar, desejando que isso me tire da realidade, mas nada funciona. Deito na minha cama em silêncio e foco no amanhã, pois o hoje já acabou. Eu me acabei.